25.12.06

Vinte quatro e vinte cinco.
Hoje, dias como quaisquer outros, só que com mais e melhores comidas. Ocasionalmente, mais e piores parentes.

Bom mesmo era quando se tinha uma mentira tão legal de se acreditar que até toda a falta de sentido do mundo ao redor tornava-se menor.

Volta, Papai Noel!


12.12.06

Pinochet, seu grande safado.
Sem mais nem menos, com a mesma arrogância de sempre, você se foi, como alguém que vai dar um golpe na esquina e já volta.
Nos deixou aqui, miseravelmente esperando todos esses anos por um julgamento seu.

Não que quiséssemos uma condenação oficial, todo aquele circo televisivo. Você não merecia tanto. Já tínhamos a ojeriza generalizada, era suficiente.
Queríamos é o espetáculo da pena. Uma forca à lá Saddam, talvez - e olha que ele sempre foi muito mais carismático que você.

Queríamos o pior possível.
Guilhotina, câmara de gás, pau de arara?
Sabe, nós queríamos é você vivo, perambulando no mundo, nos assombrando, nos lembrando de toda a nossa mediocridade e nos fazendo ter um pouco menos da fé de cada dia na Humanidade.

E agora, seu velho sujo, o que nos sobrou?
Acha que dá pra nos contentarmos com o Kadafi?
Apodreça onde quer que esteja que eu vou é procurar algum ditador subsaariano para me alivar essa dor de cabeça.


24.11.06

"Eu não pagaria para ver o Who, nem mesmo com músicas novas (...) tenho mesmo preconceito com idade. Não quero ficar olhando para esses velhos com sua atitude auto-indulgente" - Pete Townshead, em um momento de sapiência musical.

Já me sinto feliz não sendo mais o único a achar que o campeonato copacabanense de bocha amadora é, sem dúvida, muito mais útil para a turma da terceira idade do que esses shows geriátricos caça-níqueis contemporâneos.


16.11.06

"Acho que tomar ácido com quatro anos prejudicou minha mente".

É, Courtney, sei lá, também pode ter sido o Hipoglós, né, nunca se sabe...


4.11.06

O chato de se ter um blog é sentir algo estranho quando você não o atualiza.

É como se houvesse uma responsabilidade maior sendo descumprida - mas não há - e como se houvesse leitores sendo desrespeitados - esses, por vezes, também não há...

Parece que toda uma torrente de assuntos passou na sua frente e você simplesmente não teve a competência de fisgar um mero detalhe digno de nota.

Em um jornal há, inevitavelmente, pelo menos o editor para lhe puxar a orelha sobre o prazo de entrega do artigo ou da coluna. Isso quando não pipocam as cartas de reclamação dos leitores.
Ou então alguma alma santa lhe apontando bons assuntos, boas idéias.

Precisamos sempre de um carrasco a nos chicotear enquanto remamos o nosso trirreme. Alguém a marcar no tambor o ritmo de nossos passos.

Os blogs acabam com isso sem sentimentalismos. Somos mais donos de nós mesmos do que qualquer zine anárquico dos anos 70 pensou ser.
Agradável. Mas, afinal, para quê?

Para escrever placidamente um texto metalinguístico e cara-de-pau qualquer que ocupe o vazio das páginas e dos dias.
Obrigado, liberdade.


18.10.06

Bela tarde de início de primavera.
Rádio online.
Like a rolling stone. Batida, mas nada mal.
Começa outra.
Hm, Strokes. Boa!

Hein? Tico Santa Cruz cantando??
Putz, é Detonautas!
Aaahh! Maldita rádio online!!

Por que, Senhor, por que as bandas mudam seu estilo para se vender ao indie?
Carambolas, deixem isso pras bandas novas!

(e a música nem é ruim...ok, acho que isso responde à pergunta acima)


29.9.06

"Mucosa roxa, peito cor de rôla"

Vai Caetano e me mata de romantismo!


25.9.06

- Então, que tal?

Pois bem, pense. Deixe-me ver. Dê uma bela olhada. Ganhe algum tempo.
Hum, seja sincero, rapaz, ao menos alguma vez na vida. Vá lá, seja direto, faz bem para as pessoas, praticar o bem é algo bom, lembra?

Ok, isso não é uma regra. Tudo bem, sinceridade é algo meio forte demais, não é para qualquer um, pessoas de coração fraco, coitadas, sofrem. Melhor ir com mais cautela.
Mas também não vá mentir, uma coisa não implica outra. Confiança é tudo nas relações sociais, você deveria saber disso.

E se for uma mentirinha branca, conta? Ah, vai?, quantas dessas você já não falou? Olha, dizem até que é recomendado por especialistas em convivência! Nada mal, han?

Não. Eu te conheço. Você não vai se agüentar...Vai criar uma maldita rede de mentiras intrincadas e complexas que depois vai se embananar todo para desmantelar - você sabe que uma hora uma das peças do dominó vai cair. Cruelmente.

Pois bem, pense em algo diferente. Oras, uma pitada blasé cairia até bem numa situação encurralante como essa. É isso, olha pro lado, finge que reparou em algo no teto e solta aquele "é...", acompanhado de um olhar pusilanimamente vazio. Ah, resolve qualquer problema!

Se bem que...é meio ridículo, não? É, não é lá a sua cara. Ei, peraí, que diabos é...Meu Deus, um penacho roxo! Não, tira o olho daí! Ai, esse penacho...Não ria, não, por favor, não seja...

- Mesmo? Ah, eu sabia que você ia adorar! Não é uma graça?

...irônico.


22.9.06

Cada vez mais me convenço de que o Sérgio Cabral é o candidato que mais bate no casal Garotinho e em seu governo. Perto dele, os outros são peso-pena no quesito, parecem que concorrem em outro estado até.

Faz sentido sua liderança nas pesquisas.
Ganha os votos do curral garotinense, dos idosos e dos desinformados que não ligam seu nome ao rotundo populista.

E seguimos nessa belezura de eleições. Ô, delícia!


17.9.06

Cara, qual é a das pessoas curitibanas resolverem fazer funk?

Enfim descobriram que o power pop não dá dinheiro ou que a cena punk acabou há mais de 20 anos? Ou a onda do Bonde do Rolê é mais forte do que eu supunha?

Um recado, crianças: antes de fazerem uma porcaria de funk para paulista ouvir, venham dar um passeio no Complexo da Maré e conhecerem o MC Tiro de Fuzil.


13.9.06

Nossa!
Nunca tinha percebido que a efígie do Real usa um barrete!

Ponto para a moeda de um, em que o desenho está tão tosco que a moça parece até usar uma boina.
E vive la France!


11.9.06

Sandy & Junior também fazem música de protesto.

"A gente tem que fazer alguma coisa pra esse Brasil mudar, a gente tem que se mexer! Então vamos pular, vamos pular, vamos pular, vamos pulaaar!" - durante show em NY.


5.9.06

Há um certo humor refinado no Submarino.com que me comove.

Obs.: páginas: 1.413


30.8.06

Ao tirar o paletó, senti cair o peso dos últimos dias.
Era o isqueiro de plástico dela.
Não pensei duas vezes e gastei o fluido por inteiro.


24.8.06

A porta se abre de sopetão, atrapalhando o ócio habitual.
É minha mãe, com semblante chocado, que adentra apenas alguns centímetros no quarto e pára ainda com um olhar vidrado e minimamente assustador.
- Ok, quem morreu, mãe?
- Plutão - "oi?" - Plutão. Não é mais planeta... Acabou de passar na tevê; mas vê se pode uma coisa dessas!

Taí, ela está certa. É das coisas mais implausíveis que saiu na imprensa nos últimos tempos. Todo o resto é só humanidade.


18.8.06

Metalinguagem é quando você está lendo um texto sobre sofismas e se depara, na hora da exemplificação de um argumento ad hominem, com uma falácia non sequitur.
Isso garante o dia de qualquer um.


7.8.06

E ela era jornalista ainda por cima!
Devia ter me avisado antes de apagar o cigarro com o salto.
Agora já não posso fazer muito.


3.8.06

É impressionante como tantas coisas podem acontecer num intervalo de exatos dois meses e esse blog simplesmente ficar assim, parado. As sortes de putas e gringos já mudaram várias vezes e o velho post ainda mofando cá embaixo.

Aparentemente, há muito para se botar em dia.
Mas, quer saber?, de Copa, greve, novos escândalos políticos, shows, o que realmente presta é mesmo a morte da Nanda na novela das nove.

Como a imprensa pode ser tão capaz de broxar o telespectador ao contar de antemão tudo o que vai acontecer com a menina? E como pode um autor deixar que tal atrocidade aconteça?
Assim, teoricamente, as idéias de catarse e reviravolta ainda existem na dramaturgia! Não aboliram não, hein.

Desse jeito não funciona, Manoel, não funciona.


3.6.06

"Today's fortune:
You will travel far and wide, both for pleasure and business."

- Sorte de puta que apaixonou gringo.


26.5.06

Hoje ela não me liga, tenho certeza.
Notei bem seu tom de voz ontem, ao fim da conversa - claramente ela desistiu de mim. Não me surpreendo, não sou lá do tipo de ser agradável a maior parte do tempo; na verdade, sou turrão e um tanto indolente. Compreendo-a, é certo que um ou outro comentário meu tenha descido mal, que eu tenha sido talvez negativista demais, que não tenha me esforçado para demonstrar interesse...Oras, mas a essa altura da intimidade que conquistamos já era tempo dela ter aprendido a relevar pequenos erros em mim!

Há quantos dias? Há muitos, muitos dias ela me liga, sempre! Hoje não. Diabolicamente, não!
Existem outros, muitos outros por aí, além do que eu mesmo possa imaginar, tantos outros disponíveis, interessados e interessantes. Sei que para eles ela vai ligar, para qualquer um.
Para mim, não mais. Deixo de ouvir sua voz, maldita, insensível, querida atendente de telemarketing....


24.5.06

Quando não há palavras, ou quando as há em excesso, é preferível calar-se.

- Desculpa descarada para me eximir de culpa.


4.5.06

Cansei de Ser Sexy é a coisa anti-pop mais pop que eu já presenciei.

É incrível como algo tão caótico pode suscitar acessos de histeria coletiva e despropositada - Lovefoxxx é a Xuxa desses tempos de rock na moda.


22.4.06

Um dos raros prazeres de se andar de ônibus é poder presenciar um senhor engravatado, sentado ao lado, cantar em irretocável falsete:

"First I was afraid
I was petrified
Kept thinking I could never live
without you by my side"


16.4.06

Olha, Marta!
O livro que você me deu quando fizemos um ano de namoro. Nossa, como faz tempo...

Você se lembra de como a gente se conheceu? Foi naquele baile de carnaval do clube: todo mundo bêbado, um calor infernal e eu lá num canto fumando, olhando pro teto. Acho que você foi a única alma viva que me notou; chegou de mansinho, pediu fogo e foi logo se acomodando na cadeira ao lado - você sempre foi muito assim!

E do que a gente falou, hein?
Hm, também não consigo recordar. Ah, mas deve ter sido bobagem. Nessas horas só se fala bobagem! Mas foi aí que eu, muito esperto, consegui seu telefone - e nunca mais pude tirar seus olhinhos tortos da minha cabeça...

Que besteira, Marta! Não te chamei de vesga! Você bem sabe que seus olhos sempre foram um charme. Não, veja bem, uma coisa é...Ai, meu Deus, vamos começar de novo?

Está bem, está bem, então, chega. Eu já estava indo embora, peguei tudo que tinha de pegar, o que era meu. Se acaso ficar alguma coisa para trás, você mande pelo Zequinho, ok?
Ah, e esse livro, bem, pode ficar pra você - eu nunca gostei mesmo de García Lorca.


11.4.06

Quando dei por mim, já sentia em meu lábio escorrer a saliva, lenta e parabólica, cortando a realidade e me trazendo à tona do torpor que aquele corpo me mergulhara. Mãos por toda a parte, eu sentia calafrios, e a respiração quente e ofegante sobre mim, a branca pele a ruborescer, só fazia aumentar minha sensação de incômodo repentino.

Tentava olhar ao meu redor, mas a teia de cabelos loiros me cercava e o perfume a brotar do pescoço curvo fracionava toda a sorte de movimento. Eu era um prisioneiro nas mãos inimigas e não podia entender como as coisas haviam chegado a tal ponto. Já poderia até prever os comentários, os olhares, as especulações alheias sobre tudo o que se passava - existir subsequentemente mostraria-se absolutamente inquietante.

Em pernas petrificadas, hesitante nos pensamentos, entregava-me ao peso de, ainda com 10 anos, enfim perder a guerra.


2.4.06

Ok, estou mais tranqüilo.
A nave com o primeiro astronauta brasileiro não explodiu.

Não é uma questão de entrar no mérito da validade do projeto, dos gastos, das consequências etc, mas é que brasileiro é um tremendo azarado - e começar o ano com um fiasco internacional seria, no mínimo, sintoma de zica o ano inteiro.

É sempre bom lembrar que estamos em ano de Copa do Mundo e eleições, sempre bom! Cruz credo...


27.3.06

Nossa.
E eu que pensava que Thriller do Michael Jackson tinha sido o grande exemplo de dissociação entre música e imagem nos clipes...

Vendo recentemente Twisted Transistor do Korn tive que assumir: o clipe é legal para caramba. Snoop Dogg, cara!
Mas, peraí, tinha alguma música tocando no fundo? Hmm...nem reparei.

Em tempo: falta pouco para esse ser o clipe mais pedido da história do Korn nos EUA.
Faz sentido.


24.3.06

Piada do dia: "Não há Estado com uma democracia, exceto a Líbia, em todo o planeta" - Muammar Gaddafi, governante da Líbia há 37 anos.


19.3.06

Mais uma vez esse rosto. Todo dia esse maldito rosto.
Cruzar com ele, fato antes tão incidental, tornou-se há tempos minha mais pura rotina, a essência de minhas horas. Como estivesse a mim acorrentado, persegue meus passos, meus pensamentos, sempre dissimulado, fora da minha vista, mas eu o sinto e sei, mesmo sem abrir os olhos, que ele está lá.

Sagaz, espera meus momentos de solidão e se revela, nu. Eu o fito, por puro reflexo. Esse rosto, tão conhecido rosto, seus olhos parecem não se mover, visam ao vazio, à inexistência. Os lábios tortos, secos, trêmulos, me lembram de passados que deveriam ser esquecidos; nomes, apagados.

Tudo nele é disforme, confuso, imperfeito: é minha vida saltando pelas primitivas rugas, refegos de meu áspero tempo. Sua ousadia me irrita, me encara e regorgita tudo do que já provei.

Eu tenho nojo desse rosto; mas sei que ele só me segue porque assim desejo. Minha complacência faz sua oportunidade. O quero em mim, suas correntes são minhas também, ele sou eu.
Esse rosto maldito é o mais cru de meus reflexos.


16.3.06

Apostaria minha batata-da-perna que as Mães Contra o Hard Rock (MAHR) são uma bela invenção de alguém à lá Mr.Manson.

Estou ansiosamente esperando alguma resposta, de preferência em choro, do The Used ou My Chemical Romance.


13.3.06

Qual é das pessoas lançarem agora dois CDs de uma só vez?

Parece ter virado uma moda, a última grande jogada do artista moderno - depois do show em DVD, claro; quase sempre justificada com a mesma desculpa: "excesso de material".

Olha, de cara, não vejo nisso muita estratégia de marketing. Seria muito mais vantajoso lançar um disco agora e o outro, uns meses depois, aguçando assim a curiosidade e a disposição financeira dos fãs.

Artisticamente falando então, é algo lamentável. É quase um desperdício intelectual. Se as pessoas não costumam ouvir com atenção as 10 faixas de um disco normal, imagine as 20!
Só favorece a supervalorização dos singles - o que só é bom para a gravadora.
Ah, quantas músicas passarão despercebidas...

Projetos assim só deveriam ser autorizados em caso de coletâneas extensas ou gravações ao vivo. Oras, nem todo mundo pode se dar ao luxo de um White Album!
Definitivamente, não entendo o que passa na cabeça desses artistas.

E ainda pior nisso tudo é eu ter de perder duas vezes mais tempo baixando o CD na internet.
Haja paciência.


9.3.06

Me lembro que quando criança eu costumava receber umas certas broncas da minha mãe por viver evitando o banho.
Eu, naturalmente, me defendia, mas mães sempre relevam os argumentos dos filhos, por melhores que sejam - e acredito que os meus, em particular, nem fossem tão bons.

O fato é que ainda hoje entendo minha posição. Não era uma questão de aversão à limpeza: a infância simplesmente não tem tempo a perder com água e sabonete, bobeiras inventadas por adultos.
O ruim do banho não é o ato em si, mas o que o circunda, a necessidade de se interromper o que se está fazendo e se despir - sem ter uma razão válida para isso! A cassação da liberdade.

O mundo é todo seu e de repente...pertence ao chuveiro. Como uma máquina desalmada, o corpo segue o processo do asseio, passo-a-passo, até a etapa final: a secagem.
Há atividade mais infindável? É a grande tortura, a que resume nossas vidas, a toalha que se enche d'água e nunca nos seca.
Existe entre nós seres capazes de suportar tal tarefa maldita?

Ah, santa sapiência das crianças. E santas mães, que cá estão para nos secar.


22.2.06

Fato do dia: freqüentar uma auto-escola é se convencer da paciência própria e da estupidez alheia.
E vice-versa.


19.2.06

O show dos Stones foi "o" acontecimento do fim-de-semana; aliás, até agora, do ano.
Mas, peralá: "histórico" foi colocar 1 milhão de pessoas na praia, à noite, num Rio de Janeiro com Rocinha em guerra. O pessoal deve gostar muito mesmo de Satisfaction.


16.2.06

De repente o telefone rompe o silêncio do fim-de-tarde. O silêncio da morte não anunciada, o silêncio mais da alma que da natureza em si, festosa em passarinhos e cigarras. Mas, de onde está, não poderia ouvir os sons exteriores; ainda que pudesse, os taxaria de ruídos. Em sua audição está somente o não-som da solidão, deitado confortavelmente no quarto abafado pela vida que dali não sai. O calor do corpo é vilão quando bem quer.

A campainha incessante o traz à verdade dos dias: há muito não ligavam para ele. De fato, deveria existir alguma razão para tanto. Buscara-a desde antes: em tormentas de ansiedade e medo, visitara amiúde o prisioneiro de seu cárcere interior e reconhecera nele a pena, mas não lhe extraíra o crime.

Ainda estremunhado, percebe aos poucos ter, além de um par de orelhas, mãos e pernas, nas quais projeta todo seu desejo por explicações. Põe-se de pé, cambaleante, e então a caminhar rumo ao som vindo do infinito, uma lâmina a escorregar no gelo exposto. Quem será?, pensa entre mil rostos, numa seleção de relevância.

Puxa o fone. Escuta.
É um outro alguém esquecido nas memórias ocas. A voz grave o confunde - entre tantos anjos anunciadores vieste tu a me trazer a resposta?
De rompante, um convite.
Ah, obrigado, mas me sinto indisposto, sabe. Melhor não. Sim, é verdade. Bem, talvez outro dia. Tudo bem.

Tlect. O telefone se recompôs docemente. Já não há palavra, já não há som. Sem o estupor da novidade, as pernas volvem calmamente ao silêncio original, como conscientes do fado irreversível.

Dentro, o prisioneiro chora: ainda não aprendeu que de solidão se sofre desacompanhado.


1.2.06

Queria aprender alguma língua estranha.

Há tantas, incontáveis...Sempre trazem alguma surpresa, um brinde-especial escondido nos dicionários que dificilmente figurarão nas livrarias. Mas todo o charme de tais línguas reside no mistério máximo: a pronúncia. Sabores únicos, um desafio à lógica lusófona.

Para começar, acho que russo já estaria de bom tamanho. Falar russo é cuspir palavrões não-convictos de seu destino, é sentir no lábio o anti-prosaico, o luxo e a luxúria. É de lascívia que se precisa para aprender tal língua. Da utilidade prática da mesma, pouco importa - há utilidade prática afinal?

São imagináveis longas tardes de esfumaçadas aulas particulares com Madame Natasha, provavelmente em uma casa burguesa antiga, de decoração mofada e, decerto, gatos por toda parte. Confesso que já estou até enauseado, sem mesmo tocar o pó do corrimão da escadaria ou sentir o cheiro impregnado da idade, mas o nojo muitas vezes é arma do desejo.

Ao sabor do improvável, brasões monárquicos espalhados pela casa. Em toda parte. Um bordel czarista no Rio de Janeiro. Um bordel de palavras desconcertadas, que comigo venham se deitar numa orgia ilógica.


Quando seu moço nasceu meu rebento
não era o momento dele rebentar
já foi nascendo com cara de fome
e eu não tinha nem
nome
prá lhe dar


Fórceps. Parto normal mesmo. Hora abaixo. Que seja.