12.8.07

O cinzeiro ficou como sempre, inerte, aguardando o último olhar da noite.

Ele sabia que uma vez mais presenciaria uma baforada leve, lenta e profunda, daquelas que botam até o ar de ontem para fora. Lembrava que, depois, seria aconchegado num quente abraço pelas cinzas que lhe cobrissem, que o guiariam rumo à escuridão, até quando não mais sentisse nada e adormecesse, à espera da próxima luz da manhã.

Era assim que se acostumara a receber seu boa-noite de todos os dias, por 37 anos, sempre em algum horário às tantas da madrugada. Houve muitas casas em sua história, muitos conjuntos de móveis, várias combinações de estantes e livros, mas ele nunca deixou de estar na mesma mesa de mogno, asseada e minuciosamente organizada, com uma lâmpada artificial a lhe dar as costas e papéis a lhe observar de lado.

O cigarro que se apoiava fragilmente em seu corpo queimava as últimas brasas, deixando cair docemente seu passado na superfície de vidro verde. Assim era sua existência e assim a amava - sua função era acalentar a vida em seus sôfregos suspiros de morte. Alimentava-se do calor do fogo morto e a fumaça era pra si um sinal de esperança.

Esperava, como em cada ocasião anterior, o último trago do dia, o último suspiro, a última baforada, o leve tremular da mão a extinguir a chama, e o olhar - aquele triste e enigmático olhar de um velho companheiro, a única coisa que lhe alentava crença em um amanhã.

Esperou, até o último filete de fumo se esvair e o cigarro tombar.
Até aquele olhar parecer distante, turvo, mítico.
E continuou a esperar, inerte, mesmo não havendo mais em seu peito brasa.
Só cinzas, frio, medo.