22.2.06

Fato do dia: freqüentar uma auto-escola é se convencer da paciência própria e da estupidez alheia.
E vice-versa.


19.2.06

O show dos Stones foi "o" acontecimento do fim-de-semana; aliás, até agora, do ano.
Mas, peralá: "histórico" foi colocar 1 milhão de pessoas na praia, à noite, num Rio de Janeiro com Rocinha em guerra. O pessoal deve gostar muito mesmo de Satisfaction.


16.2.06

De repente o telefone rompe o silêncio do fim-de-tarde. O silêncio da morte não anunciada, o silêncio mais da alma que da natureza em si, festosa em passarinhos e cigarras. Mas, de onde está, não poderia ouvir os sons exteriores; ainda que pudesse, os taxaria de ruídos. Em sua audição está somente o não-som da solidão, deitado confortavelmente no quarto abafado pela vida que dali não sai. O calor do corpo é vilão quando bem quer.

A campainha incessante o traz à verdade dos dias: há muito não ligavam para ele. De fato, deveria existir alguma razão para tanto. Buscara-a desde antes: em tormentas de ansiedade e medo, visitara amiúde o prisioneiro de seu cárcere interior e reconhecera nele a pena, mas não lhe extraíra o crime.

Ainda estremunhado, percebe aos poucos ter, além de um par de orelhas, mãos e pernas, nas quais projeta todo seu desejo por explicações. Põe-se de pé, cambaleante, e então a caminhar rumo ao som vindo do infinito, uma lâmina a escorregar no gelo exposto. Quem será?, pensa entre mil rostos, numa seleção de relevância.

Puxa o fone. Escuta.
É um outro alguém esquecido nas memórias ocas. A voz grave o confunde - entre tantos anjos anunciadores vieste tu a me trazer a resposta?
De rompante, um convite.
Ah, obrigado, mas me sinto indisposto, sabe. Melhor não. Sim, é verdade. Bem, talvez outro dia. Tudo bem.

Tlect. O telefone se recompôs docemente. Já não há palavra, já não há som. Sem o estupor da novidade, as pernas volvem calmamente ao silêncio original, como conscientes do fado irreversível.

Dentro, o prisioneiro chora: ainda não aprendeu que de solidão se sofre desacompanhado.


1.2.06

Queria aprender alguma língua estranha.

Há tantas, incontáveis...Sempre trazem alguma surpresa, um brinde-especial escondido nos dicionários que dificilmente figurarão nas livrarias. Mas todo o charme de tais línguas reside no mistério máximo: a pronúncia. Sabores únicos, um desafio à lógica lusófona.

Para começar, acho que russo já estaria de bom tamanho. Falar russo é cuspir palavrões não-convictos de seu destino, é sentir no lábio o anti-prosaico, o luxo e a luxúria. É de lascívia que se precisa para aprender tal língua. Da utilidade prática da mesma, pouco importa - há utilidade prática afinal?

São imagináveis longas tardes de esfumaçadas aulas particulares com Madame Natasha, provavelmente em uma casa burguesa antiga, de decoração mofada e, decerto, gatos por toda parte. Confesso que já estou até enauseado, sem mesmo tocar o pó do corrimão da escadaria ou sentir o cheiro impregnado da idade, mas o nojo muitas vezes é arma do desejo.

Ao sabor do improvável, brasões monárquicos espalhados pela casa. Em toda parte. Um bordel czarista no Rio de Janeiro. Um bordel de palavras desconcertadas, que comigo venham se deitar numa orgia ilógica.


Quando seu moço nasceu meu rebento
não era o momento dele rebentar
já foi nascendo com cara de fome
e eu não tinha nem
nome
prá lhe dar


Fórceps. Parto normal mesmo. Hora abaixo. Que seja.