20.2.07

A primeira luz do dia entrava pelo quarto com a preguiça de uma quarta-feira de cinzas, se esgueirando pela veneziana, desvelando as tortas silhuetas dos objetos que compunham um quarto que não era meu. Desconhecia-o não pela forma ou conteúdo, mas pelo agradável cheiro que impregnava o ar e parecia ser o único e autêntico morador, usucapiente de longa data.

Sentia-me nu e queria checar a realidade de minhas condições, mas a conclusão máxima a que poderia chegar era a que meus músculos haviam decretado recesso, acompanhando o resto da cidade. Meu mundo às sete e trinta e oito da manhã era o que meu pescoço alcançava em um giro de cabeceira a cabeceira. Preponderavam nele o teto e todos as dúvidas que me faziam tentar arrancar do fundo da embriaguez as lembranças das horas passadas.

Na verdade, mal sabia eu se de fato havia alguma embriaguez, alguma febre báquica que me tivesse acometido. Por mais que o corpo tremesse, a cama estivesse quente e o amargo gosto do desconhecido permanecesse na boca, o Carnaval ainda me era solidão. A triste alegria de cada folião me doía como rancor no peito e meus prazeres se tornavam mentiras de ocasião.

Pelo cansaço ou pelo desgosto, meus olhos lentamente foram se perdendo na semi-escuridão, percorrendo móveis de um lugar que estranhamente se tornava mais e mais familiar, e ao parar no exato retrato de meu pai, pesaram como a inexatidão de meus dias.